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  • A leitura é realmente útil?

    Por: Jean A. G. S. Carvalho




    Quando Rustichello da Pisa escreveu "Oriente Poliano", relatando as viagens de Marco Polo, ou Dante redigiu sua obra "Commedia", eles desejavam criar algo "útil"? Quando Miguel de Cervantes produziu "Don Quijote de la Mancha"  e Luiz Vaz de Camões construiu a obra "Os Lusíadas", eles desejavam criar algo "prático"? 

    As obras de escritoras como Christine de Pizan ("Le trésor de la cité des dames") e os poemas da chinesa Zheng Yunduan eram voltados à alguma questão meramente técnica? Provavelmente, a resposta para todas essas perguntas é  "não". E é justamente por isso que todos esses trabalhos - e tantos outros - são parte do primor do intelecto humano.

    Ao longo da maior parte da História humana, a leitura era uma atividade reservada a grupos e castas específicas. Na sociedade de consumo em massa, a alfabetização em larga escala permitiu a educação em níveis industriais, e geralmente isso é visto como algo positivo. Afinal, o analfabetismo é um problema e conseguir ler é algo bom, certo? 

    É comum ouvir elogios à leitura. Essa atividade é tomada como uma ação boa em si mesma, uma atividade "útil". Mas ler é realmente bom e realmente útil? A primeira parte da pergunta pode ser respondida com a confirmação de que a leitura não é boa em si mesma. Há boas leituras e leituras ruins. Há materiais superiores e inferiores. 

    A segunda parte da pergunta merece uma réplica: ler precisa realmente ser útil? A redução de uma atividade tão complexa à mera questão de "utilidade" pode ser um passo bastante perigoso. Ler pode sim ser algo "útil", mas "utilidade" nem de longe é uma pré-condição para a leitura. Uma leitura "inútil" (como um manual de filosofia) e nada prática pode ser muito mais enriquecedora do que uma leitura "útil" (como um manual de instruções de um controle remoto). 

    Há ideias melhores e piores. Ler significa acessar materiais, e a qualidade da leitura está condicionada em grande parte à própria qualidade da mensagem transmitida. Além disso, a qualidade da leitura depende de aparatos cognitivos do próprio leitor: um bom material será subaproveitado por um leitor com uma capacidade interpretativa menor e um material ruim será melhor aproveitado por alguém que, em comparação, tenha uma capacidade interpretativa melhor.

    Apesar de subjetiva, a qualidade da leitura não está na leitura em si, mas sim naquilo que é lido e no modo como se lê. Talvez, aprender sobre como ler e sobre como estudar seja um passo ainda mais fundamental do que o mero acesso à informação e a mera leitura. 

    Grosso modo, a maior parte daquilo que as editoras têm publicado - especialmente nos best sellers - pode ser considerado como uma leitura improdutiva, reflexo da própria mercantilização da atividade de ler. As obras mais destacadas nas livrarias são mesmo reflexo da qualidade dos materiais dispostos ou meros reflexos de questões ligadas ao consumo?

    A massificação da leitura pode não ter significados muito mais profundos e efeitos reais se o aparato cognitivo e a capacidade de interpretação das massas também não for aprimorado. E parece quase que impossível concretizar isso. 

    Até lá, estudar sobre como se deve estudar e ler sobre como se deve ler é um dos passos fundamentais antes de escolher títulos e se arriscar numa atividade complexa, fruto de milênios de desenvolvimentos e da própria natureza orgânica e quase que ilimitada das linguagens humanas. Somos mais merecedores da capacidade de leitura do que um camponês do medievo ou um beduíno nos desertos? Essa é a questão.

    Nossa Era testemunha a redução de todas às coisas à questão da utilidade, da técnica (τέχνη, techné). E, se a redução da arquitetura à "utilidade" significou a completa decadência estética das construções ao nosso redor (basta observar qualquer grande cidade), a simplificação da leitura como uma atividade que deve ser útil tem representado o decaimento da produção literária.

    A atividade de  ler deve continuar refletindo uma das mais significativas amostras da profundidade da alma e do gênio humanos. Pode abranger a techné, mas não deve se restringir a ela - ao contrário, está numa dimensão muito maior, a do Logos (λόγος), do Nous (νοῦς). 

    É justamente por não ser essencialmente útil que a leitura (especialmente a boa leitura) é uma atividade fundamental à existência humana - e o modo como essa atividade é exercida influencia drasticamente nossa absorção do entorno, dos outros e de nós mesmos e, consequentemente, toda nossa cosmovisão.

    A destruição da visão holística em relação à leitura é, ao mesmo tempo, uma das causas e uma das consequências da decadência intelectual típica dos nossos dias. 

      
  • Putin versus Putin: o enigma geopolítico




    Putin versus Putin:
    o enigma geopolítico

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    SINOPSE: 
    Quem é Vladimir Putin? O homem que rompe com a ordem de hegemonia global ou apenas um dos membros da “elite”? Essas são perguntas complexas que este livro procura solucionar. Nesta obra, Putin é analisado por múltiplos ângulos, tanto em sua carreira pessoal quanto em suas ações como chefe de Estado e líder geopolítico. Uma coisa é certa: Putin é a figura política mais emblemática da contemporaneidade, o homem que marcou a transição entre duas Eras e que começa a tornar a multipolaridade um projeto possível.